A comitiva do rei seguia pela estrada Rio de Pedra rumo à capital de Termon. Era um dia chuvoso de primavera e apesar do constante cuidado dos grão-duques com a estrada, a chuva fina e constante fazia com que a lama voltasse, fazendo com que o que seria uma viagem tranquila de dois dias pudesse se tornar uma cansativa de no mínimo três.

Vendo que o sol não apareceria tão cedo, o capitão da guarda real, Ludon, enviou mensageiros para todas as três capitais ao norte: respectivamente Pádalin, Vallin e Termon, dizendo que seria necessária uma parada em cada uma das capitais e informando ao grão-duque de Termon o motivo do atraso.

A comitiva era formada por oitenta soldados da guarda real, dos quais quarenta ocupavam a vanguarda e os outros quarenta a retaguarda da corte. Ludon permanecia ao lado da carruagem onde estavam a rainha, a princesa e suas três damas de companhia. Divididos em outras quatro carruagens estavam o Rei, com o tesoureiro e o construtor chefe do reino; o mestre de luz de Aimaran com dois de seus noviços; e sete conselheiros, cada um representando uma capital do reino, dividiam mais duas carruagens.

O capitão da guarda popular seguia ao lado da carruagem do rei. Tinha ao seu comando cento e dezenove soldados populares – aqueles que não tinham nascimento nobre ou não tinham potencial para tornar-se parte da guarda real – dos quais três levavam as mensagens passadas por Ludon, e outros doze faziam as vezes de batedor. Somando um cocheiro para cada carruagem – incluindo um para cada uma das quatro carruagens que transportavam suprimentos e a bagagem – a comitiva tinha um total de duzentos e vinte e oito pessoas, razão o suficiente para que a viagem prosseguisse lentamente.

Leriana observava a paisagem da estrada por uma janela de vidro, que embaçava aonde sua respiração batia. Sentia certa pena pelos soldados que andavam ao seu redor, embaixo daquela chuva contínua e cobertos de aço. Sem falar nos cocheiros! Devem estar morrendo de frio.

Sua atenção foi chamada para dentro da carruagem. Uma de suas damas de companhia estava falando com ela, mas não prestou atenção no que a garota disse. Das três acompanhantes, duas tinham a mesma faixa de idade que a sua, enquanto que a terceira era mais velha, da idade de sua mãe. A atenção de todas ali dentro voltou-se para ela.

– Desculpe, Gine. – disse sorrindo – Estava pensando na chuva. O que você perguntou?

– Qual vestido você usará no baile de aniversário do filho do grão-duque Bastin? – repetiu a garota

– Tenho em mente usar o azul anil com bordado dourado, – disse ela – em homenagem as cores da casa Termon. – Viu sua mãe, sentada a sua frente, acenar em concordância.

– Sim, ele é muito bonito – disse Gine. – Foi qual eu disse a Marilin que você usaria. Ela pensava que você poderia usar aquele branco com detalhes vermelhos, mas ela não entende nada da questão política.

Marilin, sua outra acompanhante, olhou nos olhos de Gine, como se fosse explodir, mas não disse nada. Era mais nova do que as outras duas dois anos e era muito paciente e tímida. Ela nunca replica. Queria poder controlar minha língua como ela. Marilin respirou fundo e manteve a postura como exemplo do pensamento de Leriana e dessa vez foi Gine quem se irritou por nunca conseguir provoca-la. Isso foi o suficiente para trazer um sorriso aos lábios da jovem princesa.

– Não se irrite Gine. Você sabe muito bem como é difícil tirar palavras agressivas da boca de Marilin.

– E faz muito bem. – disse a acompanhante mais velha. – Talvez vocês duas devessem aprender com ela. O silêncio de uma dama pode ser mais ofensivo do que as palavras de um marujo bêbado e mesmo assim a dama ainda mantém a honra e a dignidade.

– O que a senhora Fals disse é muito importante – interveio a rainha. – O sorriso nunca deve abandonar os lábios de uma dama enquanto na presença de pessoas importantes. Uma palavra em falso e a mulher pode perder o respeito. Sem falar que os homens ficam loucos com isso – completou divertida.

– Isso é tão injusto – disse Gine. – Um homem, mesmo um grande homem, tem a liberdade de falar o que quiser sem perder a dignidade.

– Está muito enganada. Isso é esperado deles. Os homens são mais naturais para esse tipo de coisa. Nós mulheres somos quem mantém as coisas em ordem e lembram aos homens o que eles são e o que devem fazer. Por isso não nos rebaixamos ao nível deles. – Ao terminar de falar, a rainha se postou como um homem, passando o braço por cima do banco, abrindo as pernas mais do que o recomendado para uma dama da nobreza e soltando um pequeno arroto forçado.

Uma gargalhada geral surgiu dentro da carruagem. Até mesmo a séria senhora Fals riu um pouco. Leriana conseguiu ver entre as lágrimas que vinham aos seus olhos a forma que Gine ria. A amiga, com um peso um pouco a mais que as outras, estava tão vermelha, fosse pelas risadas ou pelo fato de ter visto a própria rainha fazer uma coisa tão inesperada, que Leriana sentiu mais vontade ainda de rir.

Quando estavam todas recuperadas, Marilin perguntou, de forma discreta, quem mais poderia ter sido convidado ao aniversário do filho do grão-duque.

– Porque quer saber, Marilin? – Perguntou Gine, voltando a provoca-la. – Por acaso está interessada em algum possível convidado?

Marilin logo enrubesceu.

Em resposta à provocação de Gine, a rainha, já com a postura totalmente contrária a de instantes antes, apenas sorriu e respondeu:

– São esperados até a próxima quinzena todos os grão-duques, suas famílias e cortes. Todas as famílias têm o grão-duque Bastin em alta conta e ouso dizer que é a família mais respeitada entre as sete grandes famílias de Vallarys. Mas espero que se comportem como damas e tentem manter o flerte de forma discreta, certo? – Deu uma piscada para Marilin, que mais uma vez enrubesceu, mas dessa vez com um sorriso estampado no rosto.

Enquanto Gine e a senhora Fals olhavam para o embaraço de Marilin, Leriana detectou um olhar mais profundo de sua mãe, como se tentasse passar uma mensagem que ela deveria saber. Logo a princesa voltou para sua realidade e lembrou-se do que havia sido proposto por seu pai e o que a vinha atormentando durante vários dias.

Voltou a olhar para fora da carruagem e chegou à conclusão de que a chuva se aplicava perfeitamente como um plano de fundo aos seus pensamentos.


Para dificultar ainda mais a viagem, a estrada era uma constante subida que rodeava morros. Tanto Aimaran quanto Valin se localizavam em vales entre essas elevações, fazendo com que a estrada Rio de Pedra contivesse a lama em maior quantidade ao redor das duas capitais, por conta de alagamentos do rio Vallar nesses pontos.

– Normalmente a estrada suportar os danos das chuvas de primavera, mas pelo o que posso ver as cheias do inverno a danificaram demais – observou o rei Feodan enquanto olhava pela janela. – Há alguma explicação profissional sobre o assunto, senhor Talon? – disse virando-se para encarar o simpático homem grisalho à sua frente.

Desde a juventude Talon foi um homem dedicado ao estudo, principalmente de edifícios, portos e estradas, tendo ele mesmo sido o responsável por erguer e renovar muitos prédios do reino. Por mérito, tornou-se o principal representante acadêmico da universidade de Vallarys, além de ocupar um lugar no conselho do rei. Vestia trajes condizentes à um acadêmico: um manto negro sem muitos detalhes, mas requintado o suficiente para diferenciá-lo de um cidadão comum. Ao responder o rei, trazia em seu rosto muito bem barbeado um sorriso.

– Temo que tenha razão, senhor. Imagino que mesmo que a chuva não viesse com tanta força, a estrada cederia em alguns locais. Assumo que errei ao prever que não haveria tantos danos causados pelas enchentes de inverno e pelas chuvas de primavera, mas fomos todos pegos de surpresa, não? Fazia muito tempo que não via enchentes como essas.

– Não o culpo – disse o rei, afável, mas claramente insatisfeito. – De fato, ninguém esperava um inverno tão rigoroso, mas o tempo de reparos já passou. Quando será possível fazer uma manutenção adequada?

– Assim que voltarmos à capital mandarei ordens para que uma equipe de construtores tome conta do assunto. Espero que esteja também de acordo, meu caro Willigan – disse virando-se para o terceiro homem na carruagem.

– Claro, senhor Talon – respondeu Willigan, em sua voz calma e baixa, quase como se estivesse querendo manter um segredo. – Acredito que não haja problemas quanto ao tesouro real. Tudo flui conforme o esperado.

Willigan era tido por muitos do reino como muito novo para exercer uma função de tamanha importância. É fato que seus pais eram da família de Ér, uma das sete grandes famílias do reino, mas seu grau de parentesco com o grão-duque não era tão próximo quanto gostariam os outros nobres. Seu pai era primo de segundo grau do grão-duque, sendo ele primo-sobrinho de segundo grau, e apesar de ter o nome de uma família poderosa, não possuía tamanha riqueza.

Ainda muito jovem, seu pai percebeu que ele possuía uma tremenda facilidade com cálculos. Com dezesseis anos, e impulsionado pela ambição dos pais, fora levado para a capital para estudar na universidade. Lá teve a oportunidade de demonstrar suas habilidades matemáticas e antes dos vinte tornara-se assistente do antigo tesoureiro que, fascinado pela capacidade do jovem, o indicou como seu sucessor. Agora com vinte e seis anos, exercia com maestria a função.

– Perfeito então – disse o rei, voltando sua atenção para Talon. – Assim que voltarmos, faça isso. Até lá, desfrutemos o máximo possível desses dias de chuva e de viagens.

– Por favor, não pretendo ser indelicado – disse Talon. – Mas, eu particularmente, acho que essa viagem poderia ter sido adiada um dia ou dois, não? Há necessidade de pressa por parte de vossa senhoria?

– Talvez, meu caro – respondeu o rei, assumindo um ar sério. – Não vejo motivo para preocupa-los com meus pensamentos. Certamente poderíamos ter aguardado mais alguns dias para a viagem, mas tenho alguns assuntos a tratar. Como eu disse, não há nada para se preocupar. Estou saudável como um jovem garanhão.


Como previsto, chegaram a Pádalin pouco antes do fim da tarde. A viagem normalmente teria durado pouco mais de duas horas, mas por conta da chuva, lama e buracos, a comitiva passara quase seis horas na estrada.

Toda a zona rural que rodeava a estrada estava deserta, a não ser por uma caravana de mineradores que retornavam à capital. A comitiva tomou o caminho da estrada que se dirigia à capital, ao leste, deixando para trás a estrada que levava ao norte.

Logo chegaram à cidade que também aparentava estar adormecida, mas passando pela rua principal que levava para a cidadela, Leriana pôde ver alguma movimentação nas ruas laterais. Mais à frente, alguns homens se juntavam e puxavam algumas carroças. Estavam todos sujos de terra, carregando pás e outras ferramentas usadas para escavação. Devem ser mais mineiros, pensou Leriana.

Pádalin era reconhecida por suas minas e era também o principal destino de trabalhadores rurais que queriam tentar juntar algum dinheiro longe dos campos. Não era uma vida muito confortável, mas para muito deles apenas viver próximo a uma das capitais já era o suficiente.

Uma vez que a chuva havia diminuído, Leriana pôde ouvir com mais facilidade o som dos cascos dos cavalos. Assim como ela, as pessoas da cidade também ouviam e saiam de suas casas ou abriam as suas janelas para ver a comitiva do rei passar. Por mais discreto que a comitiva tentasse passar, várias pessoas gritavam coisas como “Viva o rei” de suas portas e janelas.

Essas pessoas realmente têm meu pai em alta conta, pensou Leriana. Em resposta aos seus pensamentos, uma bola de estrume acertou a janela de sua carruagem. Um alvoroço surgiu no meio das pessoas, enquanto um homem careca corria em meio a uma pequena multidão.

Leriana e as outras mulheres dentro da carruagem não conseguiram ver muito. Haviam se assustado e toda a janela estava suja, dificultando a visualização. Mas puderam ouvir gritos de ordem e dois soldados da guarda real saíram em perseguição do autor do insulto.

Logo em seguida, Ludon apareceu abrindo a porta da carruagem.

– Estão todas bem? – perguntou o capitão, enchendo o pequeno espaço com sua voz de trovão.

– Estamos – respondeu a rainha, tendo ela sido a primeira a sair do estado de choque. – Estamos muito bem, senhor capitão. Só tomamos um susto.

– Tem alguma ideia do que possa ter causado isso, senhor? – perguntou a senhora Fals, com a voz trêmula, ainda agitada.

– É difícil dizer. Vi um homem careca, mas provavelmente era um hurrgal.

– Peço para que tome medidas drásticas, senhor Ludon – disse a rainha, severa. – Não tolerarei um ataque desses à minha família. Pode se retirar por agora, mais tarde voltaremos a falar disse com calma. Dê ordem para que a comitiva volte a se mover, estamos todas bem. Obrigada.

Após uma breve mesura, Ludon fechou a porta da carruagem e afastou-se, gritando ordens para seus homens.

Em pouco tempo a comitiva voltou a andar.

– Poderia haver um hurrgal dentro da cidade, senhora? – perguntou a senhora Fals. Seu pensamento havia sido o mesmo da rainha.

– Temo que sim, minha cara – disse em resposta.

– Ludon disse que era um homem careca, não há como ter certeza – disse Leriana.

– Um homem careca não quer dizer que não fosse um homem ruivo que raspou o cabelo, não? Esse povo bárbaro nunca precisou de muitos motivos para ir contra a realeza de nosso reino. Vieram como vítimas, nós os acolhemos e em seguida viraram as costas para nós. Agora querem tomar nossas terras. Pobres coitados, não têm a mínima chance disso. Não se preocupem minhas jovens, isso é o máximo que podem fazer contra nós.

– Dizem que nem todos os hurrgals viraram as costas para o reino, senhora – disse Marilin timidamente. Ainda estava pálida do susto.

– Claro que não – voltou a responder a rainha. – Alguns são honestos e outros se afiliaram à causa real. Zágoran e Veromon são repletas de hurrgals domesticados. Mas como sabemos a diferença de um cão adestrado ou selvagem, senão até o momento em que ele ataca?


Ao chegarem à cidadela, foram recebidos pela pequena corte do grão-duque de Pádalin, Vallor Pádal. Os visitantes de última hora foram guiados para quartos de hóspedes distribuídos pelo castelo. O descanso da viagem fora bem-vindo, principalmente para os soldados e guardas reais, que ficaram alojados na caserna. A única exceção era para quinze dos oitenta guardas reais e seu capitão, que rondavam a cidade em busca de informações sobre o atentado à carruagem da rainha.

Ludon chegara ao local onde tudo ocorrera e de lá começou a fazer perguntas para os homens e mulheres que estavam presentes. Já sabia pelo o relato de alguns dos soldados populares que o responsável por jogar estrume era um homem careca e atarracado que vestia roupas comuns. Isso não ajudava muito, por que muitos dos mineiros de Pádalin mantinham um corte de cabelo curto por conta do calor dentro das minas. Além disso, a única coisa que sabia era que o homem correra em direção ao norte, para o centro da cidade.

A parte da cidadela era de fato a verdadeira cidade, para a nobreza.

O que era erguido do lado de fora das muralhas era pouco mais do que uma favela, aos olhos dos nobres. Fora construída pelos mineiros, comerciantes e outros trabalhadores. Seus patrões, os verdadeiros mineiros de renome e formados pela universidade vallaryana, viviam dentro da cidadela, em casas grandes, ruas pavimentadas e limpas.

A busca mostrara-se infrutífera, deixando Ludon irritado consigo mesmo por não ter percebido muita coisa da ação.


Um banquete foi realizado às pressas no salão principal.

Em uma mesa grande sentaram-se os principais membros da corte real, com exceção do rei, seu administrador, Royds, que conduzira sua carruagem durante a viagem, o grão-duque Vallor, o conselheiro real de Pádalin e os três filhos do grão-duque, que se retiraram para uma reunião no escritório pessoal do grão-duque.

Leriana se perguntava o que poderia estar sendo discutido lá dentro.

Interessava-se pelos assuntos de política mais do que a senhora Fals achava necessário, pois afinal de contas “o governo de uma cidade é problema dos homens”, dizia ela. A própria rainha discordava, mas respeitava a forma de pensar da senhora Fals, que viveu a vida toda sob o cuidado deles, sem ter nenhuma preocupação ou responsabilidades que não ensinar boas maneiras para as garotas mais novas da nobreza.

O banquete na verdade fora modesto. Havia sido preparado de última hora e não havia uma grande variedade de pratos, como é comum em uma visita real. Mas poucos se importaram com isso. A maioria dos viajantes estava satisfeita pela oportunidade de ficarem limpos, secos e aquecidos. Os únicos que não desfrutavam dessa conquista eram os homens de Ludon, que permaneciam nas ruas em busca do “atirador de estrume”.

Lá fora a chuva continuava a cair cada vez mais leve. Ainda assim o som quase inaudível trazia a Leriana a lembrança de sua nova responsabilidade.

Ao término do banquete, não houve cerimônia. Após a saída da rainha, que não se demorou, todos os presentes se retiraram para seus quartos. Deitada de bruços em sua cama em um quarto com Gine e Marilin, Leriana só pensava em voltar para casa. Além disso, se irritava cada vez mais com a tagarelice das duas acompanhantes e amigas sobre os jovens duques que estariam ou não na festa. Ela sempre gostara desse tipo de conversa de garota, em que fantasiavam com algum filho dos grão-duques, ou algum cavaleiro real. Ou até mesmo um príncipe de terras distantes que um dia poderia visitar Vallarys e se apaixonar por alguma delas. Mas agora estava presa à real possibilidade de seu pai casá-la com Waren, o filho do grão-duque Bastin Term.

Já conhecera Waren e não gostara dele à primeira vista.

Era um garoto magricela que gostava de perturbar as garotas, puxando seus cabelos ou jogando os cachorros para cima delas. Se gabava de que era mais forte por ser um menino e detestara quando Gine o derrubara no chão em um ataque de raiva. Isso havia acontecido há sete anos, quando tinham apenas oito anos. Quem sabe ele já tenha se tornado um homem sério, pensou ela, mas a imagem daquele garoto detestável não saia de sua memória e pensar que ELE seria seu futuro marido e REI a deixava nauseada.

Enquanto lamentava o destino escolhido pelo seu pai, Gine e Marilin discutiam a possibilidade de Albaran aparecer no aniversário de Waren.

– Ele provavelmente estará ocupado com os negócios do pai. A última vez que ouvi falar sobre ele, disseram que havia assumido o comando de uma pequena frota de Érin, com destino ao reino de Brineal – disse Gine.

Albaran era, dentre os duques herdeiros, o que menos se preocupava com a sua posição. Dizia abertamente que era um homem como outro qualquer e, com esses discursos, era sempre bem visto pelos cidadãos mais simples de Vallarys.

O que muitos consideravam seu ponto fraco, porém, era a indiferença com hurrgals. Dizia que todos deveriam ser tratados de forma igual; que o passado de exploração a este povo considerado inferior deveria ser esquecido e uma nova aliança ser formada para o bem de todo o reino vallariano. Nenhum dos grandes senhores das sete casas governantes apoiavam essa forma de pensamento, inclusive seu próprio pai, e consideravam-no um possível problema para o reino. Seu nome já fora, inclusive, listado em meio a traidores em potencial.

Gine continuava a falar sobre ele: – Dizem que foi o próprio pai que o deu essa missão, justamente por conta de seus longos discursos filosóficos sobre igualdade em praça pública, em Érin. Precisava ser afastado, por isso foi enviado para longe, no oriente. Ele realmente pode ser muito bonito e charmoso, mas, como diz meu pai, não passa de um jovem nobre metido a rebelde, sem falar que não está nem ai para as mulheres.

– Ele é muito mais que isso – intrometeu-se Leriana, se apoiando nos cotovelos para ver as amigas de frente. – O duque Albaran foi formado pela Universidade Imperial de Teora. É claro que ele terá um ponto de vista diferente sobre igualdade do que nossos pais, mas ele é um navegador e explorador nato. E também rolam boatos de que enquanto estava no Império, mantinha uma relação secreta com alguma garota e que é por isso que ele não dá atenção para nenhuma pretendente. E não sei por que vocês estão falando nele. Já tem vinte seis anos. É um homem que jamais daria atenção para uma garota como nós. – Disse essa última frase com um falso desdém enquanto se deixava cair novamente na cama.

– Não diga isso, Leri! – disse Gine com um falso ar de preocupação. – Dessa forma você destruirá os sonhos de Marilin. – As três caíram na risada.

A chuva havia parado. O assunto entre os possíveis convidados mais interessantes se estendeu por mais algum tempo, até que Leriana dissera que estava cansada demais para continuar falando de homens ou garotos.

– Algum problema com os garotos, Leri? – provocou Gine. – Está apaixonada por alguém?

Marilin se juntou a ela na provocação e caiu no riso – Quem é esse cavalheiro misterioso, Leri? Um dos filhos do grão-duque Vallor?

– O duque Albaran? – tentou Gine. – Você bem que tentou defende-lo antes.

– Algum duque do sul? Bastin, filho do grão-duque de Zágoran?

– Eca, ele é gordo, Marilin – disse Gine.

– Como você sabe se você nunca o viu?

– O pai dele é enorme, ele também deve ser.

– O meu pai é gordo e eu não sou nada gorda.

– Deixem disso, por favor. Eu preciso dormir – suplicou a jovem princesa.

– Talvez seja o duque Waren – arriscou Marilin. – Você ficou muito séria desde que saímos de Aimaran.

– Calem-se! – bradou Leriana. – O dia já foi cansativo demais, eu só quero dormir. Por favor, apaguem as velas e calem-se!

Surpresas com o tom de voz usado pela princesa, as duas amigas se desculparam e apagaram as velas. O que mais irritara Leriana não havia sido o fato de Marilin ter tocado no assunto, mas saber que poderia não ter alternativa. Ambas as amigas poderiam criar uma família com algum comerciante rico por quem se apaixonassem, mas ela não tinha escolha. O futuro de sua casa e de todo um reino pesava em seus ombros junto com a responsabilidade de um casamento indesejado.

Mitikr, orou ela mentalmente, por favor, ilumine minha estrada e me conceda a sua sabedoria para lidar com o meu futuro. E por favor, mude a cabeça de meu pai para que ele me force um casamento.

Ao fim de sua oração, um relâmpago piscou ao longe. Seria esse um bom presságio?


Parecia incrível que depois de tanta chuva no dia anterior o céu estivesse azul e com poucas nuvens. O sol brilhava forte e o vento era constante e gélido, o que apaziguava o mormaço. Era o que os marinheiros chamariam de um belo dia para içar velas.

O humor no castelo de Pádalin correspondia com o clima. Logo ao primeiro sinal de luz o grão-duque Vallor enviara uma ordem para que os serviçais fizessem os preparativos, pois havia decidido na noite passada que iria viajar junto com o rei e sua corte.

O sol já estava alto no céu quando todos estavam prontos para seguir viagem. Além da família do grão-duque – seus três filhos, sua filha e a grã-duquesa – haviam se juntado à comitiva vinte bons soldados e mais três serviçais que acompanhavam a carruagem com as bagagens da família. Ao contrário da maioria dos nobres, que não se incomodavam em trazer seus próprios serviçais pessoais, Vallor Pádal sempre viajava com os seus. Era uma pequena afronta aos costumes vallarianos, visto que ao aceitar os serviçais disponibilizados pelo anfitrião era considerado um gesto de confiança.

Ele se juntou ao rei em sua carruagem real. A carruagem de sua família ocupava um lugar atrás da carruagem da rainha. A fila de soldados seguia longa, tanto em frente, quanto para trás. Ludon e seus homens haviam voltado de sua busca infrutífera pela cidade baixa e se encontraram com os demais no portão oeste de Pádalin.

Já passara do meio dia quando alcançaram Ponte Bela, uma cidade nos limites do território de Pádalin e Vallin, que demarcava praticamente metade do caminho percorrido. O grão-duque Vallor Pádal se gabava na carruagem real do trabalho de manutenção da estrada feito pelos pádalinrin no percurso que fora dedicado aos seus cuidados. Leriana podia ouvir suas bravatas a uma carruagem atrás.

O capitão da guarda real acompanhava o ritmo da carruagem em que Leriana estava. As janelas de vidro da carruagem – algo que apenas os nobres desfrutavam – estavam abertas e tanto o cheiro de terra molhada quanto o cheiro dos cavalos enchiam o nariz da princesa despertando um desejo incontrolável de montar.

– Ludon – disse ela chamando o capitão mais para perto. – Tem algum cavalo reserva que eu possa montar?

– Sim, majestade. Não acho que a viagem vá demorar tanto o quanto temíamos. Há pouco o rei mandou um mensageiro à Vallin informando que pararíamos em um ponto de guarda, no meio do caminho, só para almoçarmos, sem muitas formalidades. Não acho que haverá necessidade de usar cavalos de reserva. Mas antes devo pedir autorização ao rei.

– Diga a ele que eu permiti – disse a rainha, que ouvia tudo junto com as outras passageiras. – Alguma de vocês duas também gostariam de montar? – perguntou ela às outras duas garotas dentro da carruagem, que negaram a oferta de maneira muito educada, provocando uma expressão de satisfação no rosto enrugado da senhora Fals. – Muito bem então. – continuou a rainha – Arrume alguém para ficar de olho na minha filha, Ludon.

– Sim, senhora. Providenciarei a vestimenta necessárias, e o cavalo. Eu mesmo posso ficar de olho na senhora Leriana, se permitir.

– Assim está bem.

Ludon não demorou muito para voltar com a roupa de montar de Leriana. Passou-a pela janela, que logo em seguida se fecharam para que ela se trocasse. Poucos minutos depois ela estava pronta e fez sinal para que a carruagem parasse. Ludon agora a aguardava com um cavalo marrom de linhagem nobre: o seu próprio cavalo de reserva. Os cabelos louros da princesa haviam sido amarrados pela senhora Fals, mas assim que montou e começou a trotar em um ritmo lento, deixou que os cachos caíssem pelas suas costas. Era uma visão que enchia os olhos daqueles que a viam.

Seguiu adiante tomando a frente das carruagens. Não se importava com os olhares dos filhos do grão-duque, nem com o dos cocheiros ou dos soldados. Só os soldados da guarda real pareciam indiferentes à sua presença ali. Em seguida, saiu da formação da comitiva, tomando a esquerda da estrada e passando por todos por fora. Ludon seguia logo atrás.

A ideia de se casar com alguém por um motivo político sempre lhe parecera ridículo e antes até mesmo seu pai pensara assim. Mas por algum motivo que ela desconhecia, ele entrou em contradição e considerou a possibilidade de ela se casar com Waren Term. De tantos possíveis pretendentes, logo ele? pensava não pela primeira vez e provavelmente não a última. Mas o que sabia de Waren? Ele fora sim um garoto desagradável e irritante. Odiaram-se durante o tempo em que se conheceram. Mas se passamos tão pouco tempo juntos, porque então eu o odeio tanto? Talvez não seja isso o que me irrita, mas a decisão de meu pai. Como ele pode abrir mão da minha liberdade? Logo ele! A resposta era clara e egoísta em sua mente: ele é o rei. Ele pode fazer o que quiser.

Tanta dúvida e raiva sentia ela, que não percebeu como estava bem à frente da comitiva. Foi surpreendida por Ludon gritando para que esperasse. Quando voltou a si, diminuiu a velocidade do cavalo para um trote leve e deu meia volta.

– Quase que eu não a alcanço – disse o capitão com um sorriso cansado. Seu cavalo suava e bufava com a respiração pesada. – O Forja não é tão rápido quanto a Flecha e o meu peso não ajuda – disse referindo-se, respectivamente, ao cavalo em que montava e ao reserva montado pela princesa.

– Desculpe tio, eu estava perdida em pensamentos.

– Antes perdida em pensamentos do que perdida de vista. Você poderia me colocar numa grande enrascada, sabia?

Apesar de tentar soar brincalhão, era difícil para aquele homem enorme se passar por outra coisa além de um guerreiro. Leriana o conhecia desde sempre, pelo o que se lembrava. Sabia que ele era como um irmão para Feodan, um tio para ela, e era uma das poucas pessoas a se sentir muito à vontade em sua presença. Percebeu o que poderia ter causado e pediu desculpas de forma pouco convincente.

– Não tem problema – disse ele. – Sejam lá quais forem os problemas que você tem, se preocupe mais com a solução.

– Mas e se o meu problema não tiver solução?

– A maioria dos problemas têm alguma solução, mesmo que pareça improvável.

Estavam cavalgando lado a lado em um ritmo mais lento para recuperar os cavalos depois da pequena corrida que tiveram. Estavam talvez uns dois quilômetros à frente da comitiva.

– Mas e se eu não encontrar essa solução – continuou a princesa – ou se essa solução trouxer outros problemas?

– Hm – disse ele pensativo. – Eu não sei responder com certeza. Mas tenho certeza que entregar-se ao problema não vai ajudar em nada. Se esse problema for muito grande, tente aprender com ele e se adaptar. É assim que eu tento resolver meus problemas. Mas afinal de contas, o que te perturba?

Sabendo que poderia confiar em Ludon, abriu o jogo para ele.

– Meu pai tomou uma decisão por mim. De que devo me casar com Waren Term. Eu só não entendo porque. Ele nunca me obrigaria a uma coisa dessas, de repente faz essas exigências.

A expressão que tomou o rosto de Ludon foi um pouco de preocupação, passando a uma de alívio mal fingido.

– São questões políticas, Leri. Acho que você não deveria se preocupar com isso de imediato. Waren foi apenas uma ideia de seu pai. Ele estava preocupado com assuntos políticos. Coisas do rei, mas acho que não há mais problemas ou preocupações que possam interferir na escolha de seu futuro marido. Tente conversar com ele quando chegarmos a Termon.

Ficaram em silêncio e quando estavam se aproximando da comitiva voltaram a dar meia volta e correr em um ritmo bem mais leve. As palavras de Ludon trouxeram um certo alívio ao coração de Leriana. Talvez não estivesse presa a um casamento infeliz, como imaginara.

Voltaram à formação e Ludon ficou caminhando ao lado da égua Flecha, enquanto Leriana voltou à sua carruagem e lá, mesmo coberta por uma fina camada de suor, tirou um cochilo.


Acordou com o chamado da mãe.

Haviam chegado ao ponto de guarda, uma fortificação que à beira da estrada Rio de Pedra. Havia ao todo seis, onde cinco ficam entre as capitais e uma no norte extremo, junto à muralha que delimita os limites do reino vallaryano.

Os Pontos de Guarda têm dois propósitos básicos: o primeiro de servir como ponto de parada para mensageiros; o segundo de servir como um posto de vigia avançado; e o terceiro de abrigar, estritamente, membros da nobreza ou pessoas autorizadas por uma carta que viajam por terra.

São fortificações pequenas de pouco luxo, mas possuem, obrigatoriamente, em seu interior uma caserna, um estábulo, uma prisão, uma ferraria, uma casallach com uma alta torre e, claro, uma estalagem que atende aos hóspedes da nobreza.

No topo da torre encontra-se uma lanterna, que serve como farol tanto para os que viajam por terra, como para os navegadores que percorrem o rio Vallar. Viajantes comuns têm permissão de acampar próximos à entrada principal dos pontos de guarda. Os soldados que ocupam as pequenas fortalezas são normalmente os jovens que iniciam e aspiram uma carreira na guarda popular. Soldados populares mais velhos são enviados com o propósito de ensinar e treinar os mais jovens e para eles esta é uma posição honrosa, sendo uma espécie de pré-aposentadoria militar.

Acima de todos os outros ocupantes está um membros pequeno da nobreza, que é responsável por toda a administração da fortificação, respondendo diretamente ao grão-duque da capital mais próxima.

Foi um administrador desses quem veio dar as boas-vindas ao rei Feodan e sua comitiva de pouco menos de cem pessoas. Leriana que acabara de acordar de um sono confortável e sem sonhos viu como o administrador – algum primo distante de alguma família do norte – estava nervoso com tanta gente importante: toda a família real e a família do grão-duque de Pádalin.

– Acho que há espaço suficiente para toda a corte real e a do grão-duque Vallor – disse o administrador do rei, Royds. – Gurfan e Ludon – disse chamando os dois comandantes das guardas popular e real – Armem as barracas no pátio principal. Arrumem um lugar para os cavalos no estábulo.

Não gosto desse nórdico, pensou Leriana enquanto olhava para Royds. O homem tinha autoridade quando tratava-se de organização, isso não podia negar e seu pai e tio confiavam em seu trabalho, aparentemente.

Enquanto ele dava ordens, Leriana e suas acompanhantes se dirigiram para o quarto. Ela e as duas amigas ficaram no quarto de três pessoas no térreo. A pequena fortificação estava um alvoroço. Alguns soldados do local ficaram curiosos com toda aquela movimentação e terminaram sendo convocados a ajudar na organização.

Não demorou muito para que todos estivessem devidamente alojados, uma prova da capacidade do administrador real. Toda a corte estava alojada na estalagem e se dirigia agora para jantar.

Fizeram uma refeição bastante simples no salão principal da estalagem. Leriana estava levando uma colher de sopa à boca quando Gine bateu em seu braço fazendo o líquido cair de volta no prato.

– Olhe, Leri! O primeiro filho do grão-duque não para de olhar para você. – Sem muita discrição, Leriana virou a cabeça na direção em que Gine apontava e seu olhar cruzou com o do jovem. Na mesma hora sentiu-se enrubescer e virou o rosto. – Ele não tira o olho desde que a viu cavalgando hoje à tarde.

– Parecia que estava disposto a cair pela janela da carruagem pra tentar te ver melhor – disse Marilin.

– Ele até que é bonito, não é? Qual o nome dele?

– Lorran. Você sabe quem é Gine: estudou na universidade em Aimaran e tudo mais.

– É isso mesmo – disse Leriana. – E realmente ele é muito bonito. Eu o vi quando estávamos nos preparando para sair de Pádalin.

– Porque não fala com ele, Leri? – perguntou Marilin.

– Mas eu não acho que ele esteja olhando para mim. Acho que está olhando para você, Gine.

– Para de falar besteira, alteza – disse Gine. – Tá na cara que ele não tira os olhos de você. Além disso, o que ele iria querer com uma garota filha de um professor da Universidade? Porque não vai falar com ele?

– Tem muita gente aqui – disse, tentando se esquivar.

– Vá lá pra fora.

– Lá tem muita mais gente que aqui dentro, Gine – disse Marilin, referindo-se à todos os soldados acampados no pátio.

– Pela luz, meninas, parem com isso – disse a princesa, enrubescendo cada vez mais. Isso só provocou risadinhas nas duas garotas, mas como pedido, elas pararam.

Após à janta, foram todas para o quarto.

Passaram um tempo conversando sobre garotos. Sempre a mesma conversa, pela Luz, pensou a princesa. Mas dessa vez parecia às outras duas que a Leriana que conheciam estava de volta. Lembrava-se da conversa que tivera mais cedo com o tio e seu ânimo, desde então, contrastava com o da noite passada. Conversaram até tarde, mas não conseguiu dormir.

A luz da lua invadia a janela de seu quarto. Ouviu a respiração das duas amigas mais lentas e foi então que decidiu ter uma vista melhor da lua.

Colocou por cima da camisola uma capa que a cobria até o meio da canela. Seus cabelos estavam presos numa trança para impedir que se embaralhassem durante a noite. Todos na estalagem estavam dormindo e o único som que ouvia era o da madeira reclamando ao toque gentil de seus pés nus.

Sentou-se em uma mesa próxima a uma janela no salão principal da estalagem e se perdeu em pensamentos enquanto observava o céu.

O salão permaneceu por um bom tempo em silêncio e a única luz presente era a da lua cheia. Só depois que viu o movimento é que percebeu que havia mais alguém ali.

– Quem está ai? – perguntou ela assustada, pronta para dar um grito.

– Peço desculpas, princesa. Não pretendia assusta-la – disse o vulto, revelando-se o duque Lorran.

– Oh – disse ela, perdendo a compostura. – Não me assustou, só me pegou de surpresa.

– Só um minuto, deixe-me arrumar uma vela. – O foi até a cozinha e de lá surgiu uma claridade fraca. Pensou em correr ou voltar para o quarto, mas estava paralisada pelo nervosismo e ansiedade. O duque voltou da cozinha e se dirigiu à mesa em que ela estava. – Posso? – perguntou, indicando uma cadeira à frente dela.

– Por favor – respondeu ela enquanto tentava absorver cada detalhe de seu rosto mal iluminado pela vela fraca. Um rosto triangular, de queixo forte, maçãs coradas e com o cabelo cor de areia que caia sobre o rosto e cortado na altura do pescoço.

– Acho que nunca fomos apresentados pessoalmente. Meu nome é Lorran Pádal…

– O primogênito e sucessor do grão-duque Vallor. Sei quem é você – interrompeu ela com um sorriso tímido.

– Ora é mesmo? – disse ele retribuindo o sorriso. – E o que mais vossa alteza sabe sobre mim?

– Não precisa me chamar de “alteza”, pode me chamar de Leriana… se quiser – completou ela rapidamente. Ai que tola, pensou.

– Está certo, Leriana. Então, o que mais você sabe sobre mim?

– Ah, só o que todo mundo fala. Que você é um jovem promissor, inteligente e bom com a espada. Estudou por dois anos na universidade sobre estratégias militares…

– E odiei cada dia sentado naquelas cadeiras duras – interrompeu ele provocando um sorriso nela. – Mas no fim das contas não posso reclamar. A teoria da guerra é mais importante do que eu pensava. Mas não acho que isso seja um assunto que vossa… que você esteja muito interessada em saber.

– E o que você acha que eu estaria interessada em saber? – disse levantando as sobrancelhas.

– Imagino que algo relacionado à montarias? Vi você cavalgando hoje de manhã. Você monta muito bem.

– Obrigada, pratico desde muito nova. – Sentiu o rosto ficar mais quente ao enrubescer. Seu sorriso parecia que não poderia ficar maior. Não sabia mais o que falar para puxar assunto. Felizmente, ele sabia.

– O que você veio fazer aqui embaixo, sozinha?

– Vim observar a lua. Ela não fica linda quando está cheia?

– Sim, mas acho que existem coisas mais bonitas para se observar à noite.

Leriana percebeu que ele olhava para ela e sentiu como se um buraco tivesse aparecido no meio de sua barriga, deixando-a sem ar por um momento e fazendo seu coração acelerar. O calor em seu rosto aumentou ainda mais e ela sentiu-se zonza. Ficou sem reação, com a cabeça mais leve que o normal e, virando o rosto para a janela, falou gaguejando a primeira coisa que veio à mente:

– Obrigada. E… E você, porque… porque desceu aqui? – Luz, o que eu faço?

– Estava sem sono e resolvi investigar de onde vinha os barulhos dos passos que ouvi passar na frente do meu quarto. Acho que a minha curiosidade foi compensada.

– Obrigada – disse ela ainda sem jeito.

– Desculpe, não queria deixa-la sem graça com meus elogios, mas você é realmente muito bonita, Leriana. A brilho da lua não tem chance perto do de seus olhos.

– Obrigada. – Pare de repetir “obrigada”! Seu sorriso parecia ter sido esculpido no rosto, impossível de se conter.

Lorran levantou-se calmamente. Leriana teve a impressão de vê-lo limpando as mãos na camisa de linho que usava para dormir. Nervoso?

– Acho que já vou voltar ao meu quarto. Amanhã será mais um dia agitado com mais uma viagem morro acima. Me daria a honra de leva-la de volta ao seu quarto? – disse erguendo a mão em direção a princesa que, sem muita hesitação, a pegou e deu a volta na mesa.

Caminharam juntos até o quarto de Leriana, um dos últimos, no fundo da estalagem, iluminados apenas pela fraca luz da vela que ia se apagando. Chegando à porta do quarto, o jovem tomou o candeeiro simples da princesa e colocou-o no chão. Em seguida pegou as duas mãos dela nas suas. Ele olhava para ela de cima. Era quase uma cabeça mais alto. E segundo Marilin, dois anos mais velho.

– Boa noite, princesa Leriana. E me desculpe – disse ele.

– Desculpa-lo por que? – conseguiu perguntar hesitante.

– Por isso. – Lentamente ele se aproximou de seu rosto e apesar de toda o nervosismo que sentia, Leriana não se moveu e deixou que seus lábios se tocassem.